segunda-feira, 26 de abril de 2010

Isto não acontece mais!!!

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

? Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmã os. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

? Mas vamos nos assentar , gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. . Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentad os todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro. .. casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedora s. Tão acolhedoras que era també m costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo , surgia alguém lá da cozinha ? geralmente uma das filhas ? e dizia:

? Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisã o? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança.. . Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam. ... era a vida transbordan do simplicidade, alegria e amizade. ..

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores : televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

? Vamos marcar uma saída!...? ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transfor mando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas . Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite.. ..

Que saudade do compadre e da comadre!

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